As jovens “Giocondas” (Parte 1) - Da força dos opostos, o equilíbrio
Detalhe de "A adoração dos Magos": o evidente contraponto entre a Beleza e a Feiúra (na extrema direita, o autorretrato de um jovem e belo Leonardo)
Prof. Átila Soares da Costa Filho
O grande interesse de Leonardo pela busca de um ideal da beleza maior (ordem) residia sobre o princípio dual ou “dos opostos” nas coisas. Essa questão do dualismo nos remete a Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) e seus pensamentos sobre o cosmo e o uno, o devir e a harmonia. Também os estudos sobre Fibonacci e a razão áurea, a força do equilíbrio simétrico, viriam a ser de uma importância singular nas composições do gênio. Em especial, na iconografia de Da Vinci que aborda o tema juventude-maturidade, vemos alguns exemplos de como tais implicações filosóficas o seduziam. Temos, então, aquele desenho conservado na Universidade de Oxford, Christ Church, do conjunto “Alegoria à política de Milão”, executado entre 1483 e 1487. Ali, podemos achar duas místicas fazendo uso de um espelho “mágico”. Aí ainda acharemos alguns antigos símbolos para a alquimia e o hermetismo (controle dos elementos naturais), ou seja, a presença de aves e de objetos serpentiformes: o magnetismo e a eletricidade. Então, uma destas mulheres se apresenta no mesmo esquema “de Gestalt”, com uma face enquanto jovem, e, outra, como um velho. Aliás, a leitura adicional aí cabível, a temática da efemeridade do Homem, foi mais uma das constantes nas filosofias ocultas e nas artes da Idade Média à Renascença, e seguindo (mais acentuadamente) até o Romantismo e o Expressionismo. Christ Church ainda nos reservará outro desenho denominado “Alegoria do Prazer e da Dor”, de 1480, onde se vê duas figuras masculinas – um jovem e um senhor – que se projetam do mesmo corpo. A ideia aí é ilustrar a necessidade do prazer para a existência da dor, e da dor para a existência do prazer: mais uma vez, a questão dos unos e dos opostos.
Duas bruxas e o espelho “mágico”. A ideia era acompanhar a invasão das tropas de Francisco I em Milão no ano de 1499
Mais um caso em que o mesmo fundamento se manifesta é o do célebre óleo sobre madeira “A adoração dos magos”, nos Uffizi de Florença, iniciado em 1481 e deixado inacabado a partir de 1482. Em detalhe, veremos um grupo de jovens em torno de uma alfarrobeira em contraposição ao grupo de idosos que circunda os principais elementos na composição: a do episódio neotestamentário da visitação dos magos e o reconhecimento destes à divindade do Menino Jesus. Um entendimento mais profundo acabou por se abrir às mais diversas interpretações ao longo dos séculos. A alfarroba, juntamente com o mel silvestre, é descrita na Bíblia como o cardápio que São João Batista, patrono de Florença, adotava nos desertos da Judeia. Logo, é bem razoável supor que esta árvore, tornando-se um símbolo da espiritualidade do profeta na Itália renascentista, possa estar sendo objeto de veneração por aquele grupo de rapazes na pintura inacabada. Tal visão bem se harmonizará ao grande interesse pelo gnosticismo revisionista (inclusive, do próprio papel de João Batista no universo cristão) que circulava nos ambientes italianos mais eruditos e pelos quais Leonardo - a julgar por tantos de seus desenhos e anotações -, parece ter demonstrado imensa curiosidade.
Mais contemporâneo, mas indicando haver algo de arquetípico nesta verdade propagada por Leonardo, é uma sequência do filme “Unbreakable” (2000), de M.Night Shyamalan. No enredo, o personagem de Samuel L.Jackson, Elijah Price, declara sofrer uma patologia capaz de tornar extremamente frágeis todos os seus ossos, suscetíveis de graves fraturas a qualquer instante, denominada doença de Lobstein (ou “osteogênese imperfeita – tipo 1”)... Segundo a lógica do astuto Price, deveria, então, haver outro indivíduo por aí com uma patologia inversa, portador de uma estrutura óssea invejável, indestrutível – de fato, seria o personagem David Dunn, vivido por Bruce Willis. E, dez anos após o filme, manchete em todo o mundo, um grande triunfo da Ciência Moderna com relações diretas em Heráclito – e Da Vinci -, foi a criação em laboratório da antimatéria, ou “a partícula de Deus” – algo cuja existência já era aceita em teoria pela Física. A antimatéria vem a ser tudo que contiver carga elétrica contrária à da matéria “comum” onde, ao se unir à matéria respectiva, acabará por “morrer” juntamente com sua opositora... O projeto foi desenvolvido através de um longo túnel com um acelerador de partículas, o Grande Colisor de Hádrons, entre a França e a Suíça, ao que se criou um trilionésimo de grama de antimatéria. Esta sobreviveu apenas 16 centésimos de segundo ao que se aniquilaria com a matéria correspondente, como previsto.
BIBLIOGRAFIA:
Umberto Eco: “Arte e beleza na estética medieval” - Globo, 1989
Umberto Eco: “Storia della brutezza” - Bompiani, 2007
Mario Pomilio, Angela Ottino della Chiesa: “L’opera completa di Leonardo pittore” - Classici dell’arte, vol.12 - Rizzoli, 1978
Giorgio De Santillana: “Leonardo da Vinci: an Artabras Book” - Reynal & Co. e William Morrow & Co., 1965
Giorgio Vasari: “Vidas de pintores, escultores y arquitectos ilustres” - El Ateneo, 1945
Jean-Pierre Vernant: “As origens do pensamento grego - Difel, 2002
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